segunda-feira

O fracasso da "superelétrica"

Caio Guatelli


LUZ PARA ALGUNS
A Avenida 9 de Julho, em São Paulo, iluminada apenas pelos carros num apagão de 2009. No mês passado, 2 milhões de pessoas ficaram sem luz no Estado
Qualquer país que se preze precisa de um setor elétrico pujante. Sem energia, a indústria não produz, o comércio não vende, empregos não são gerados, a economia não cresce. O Brasil foi palco, nos últimos anos, de um sem-número de problemas nessa área. Enfrentamos o racionamento de 2001, a tarifa que pagamos está entre as mais caras do mundo, e apagões são constantes. Pouca gente discute que são necessários investimentos vultosos para garantir o nível de energia necessário para nossa economia crescer mais rápido. Na visão dos governos petistas, uma solução seria a concentração do setor. O Palácio do Planalto gostaria de criar um gigante nacional – mais um –, que abrangeria mais de um terço do mercado nacional de distribuição. Mas, segundo ÉPOCA apurou, o projeto dessa “superelétrica” ruiu.
O formato inicialmente imaginado para a formação da grande companhia foi praticamente enterrado duas semanas atrás. Um dos integrantes do governo encarregado de acompanhar as negociações disse a ÉPOCA que, após vários meses de estudos e tentativas, fracassaram as conversas para a fusão entre as duas empresas que formariam o embrião da superelétrica: a Neoenergia, controlada pela Iberdrola, e a Companhia Paulista de Força e Luz (CPFL), cujo principal acionista privado é a construtora Camargo Corrêa. No desenho original do governo, num primeiro momento, a CPFL incorporaria a Neoenergia, elétrica com operações na Bahia, em Pernambuco e no Rio Grande do Norte. Posteriormente, a nova empresa compraria as operações da americana AES no Brasil, que incluem a Eletropaulo e a AES Sul. No começo do ano passado, ainda como ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff deu o aval do governo ao negócio. “Não vemos com maus olhos. É uma tendência internacional ter grandes empresas nessa área”, disse Dilma. O BNDES, acionista controlador da Eletropaulo, chegou a iniciar conversas com os americanos para que a AES vendesse suas operações brasileiras.
Até meados do ano passado, parecia tudo certo para a criação da “superelétrica”. O primeiro passo fora enquadrar a Previ (fundo de pensão dos funcionários do Banco do Brasil), acionista relevante tanto na CPFL quanto na Neoenergia. No começo de 2010, a direção da Previ não queria a operação nos moldes propostos pela Camargo. Após uma intervenção do Planalto, a Previ aceitou negociar um novo acordo de acionistas, pelo qual a Camargo assumiria o controle da nova empresa, e a Previ venderia sua participação na Neoenergia à CPFL. Para manter o controle, a Iberdrola poderia exercer seu direito de preferência e comprar essa participação. Mas, como estava descapitalizada em virtude da crise internacional, ela não tinha recursos em caixa para isso.
No começo deste ano, o quadro mudou. Os espanhóis aparentemente se recuperaram da crise. Sentindo-se acuados pela pressão do governo para ceder o controle da Neoenergia, compraram em janeiro, por US$ 2,3 bilhões, a distribuidora Elektro, sediada em Campinas, dona de 11,5% do mercado paulista. Foi um sinal claro de que não estavam dispostos a sair do país. A compra da Elektro também fazia parte dos planos de expansão da CPFL, que detém 24,3% da distribuição no mercado paulista. A compra da Elektro pela CPFL, ambas com operações no mesmo Estado, faria muito mais sentido como negócio do que sua aquisição pela Iberdrola, cuja atuação está concentrada no Nordeste.
A compra da Elektro acabou atendendo aos interesses dos espanhóis. Ela forçou os agentes do governo encarregados de criar a “superelétrica” a chamá-los para a mesa de negociações. Dirigentes do BB, da Previ, da Camargo Corrêa e da Iberdrola tiveram diversas conversas entre janeiro e março para tratar da fusão. Uma consultoria foi contratada para tentar resolver o impasse. Ao final das conversas, porém, nem a Camargo Corrêa aceitou compartilhar o comando da CPFL com a Iberdrola nem os espanhóis toparam ceder o controle da Neoenergia à construtora.
Como os espanhóis não cederam, o BNDES planeja agora dar à Camargo pelo menos o domínio do setor em São Paulo. Para isso, tenta amarrar a venda da Elektro e da Eletropaulo à CPFL. As três respondem por mais de 60% da energia distribuída no Estado. No desenho mais provável, a Iberdrola transferirá a Elektro para a CPFL. Em troca, comprará ações da Previ e do Banco do Brasil na Neoenergia, consolidando sua posição no Nordeste. Paralelamente, o BNDES estuda também uma forma de passar o comando da Eletropaulo à CPFL.
O mercado paulista é um foco constante de problemas no setor elétrico. No início de junho, 2 milhões de pessoas ficaram sem luz em São Paulo. Em alguns municípios, foram necessários dois dias para a energia voltar. O governador Geraldo Alckmin disse que a Eletropaulo “não tem condições mínimas” de atendimento em situações climáticas adversas. Uma empresa com maior musculatura poderia fazer os investimentos necessários para melhorar a qualidade da distribuição de energia no Estado. Independentemente da solução para a questão elétrica em São Paulo, o fracasso da “superelétrica” deixa uma lição clara: não dá para o governo querer determinar o que a iniciativa privada deve fazer – e nem deve tentar.

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